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Uma vida dedicada às artes plásticas

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por Simone Menegale

Glenio Bianchetti

O Começo 

 

A pequena Bagé dos anos 40 assistiu, entre orgulhosa e perplexa, à iniciação profissional de jovens artistas considerados de vanguarda, cuja produção, nas décadas seguintes, constituiria a mais importante contribuição gaúcha às artes plásticas no Brasil. 

Rapazolas ainda, Glenio Bianchetti e Glauco Rodrigues começaram a pintar juntos em 1944 e discutiam, desde então, as novas possibilidades de representação da realidade, tal como descobriam nas relas de Segali. A eles, logo se juntou Clóvis Chagas. 

Descobertos e incentivados pelo escritor Pedro Wayne, o grupo é por ele apresentado em 1946 ao pintor carioca José Morais, que chegara a Bagé em razão de um prêmio de viagem. Numa chácara localizada nos arredores da cidade, Morais montou e abriu atelier, oferecendo aos jovens pintores a oportunidade de uma rica convivência em torno dos cavaletes. 

Foi um período decisivo para a formação individual de cada um. “Montparnasse em Bagé”, escreveu a propósito deles um jornalista – e com razão, porque, no ambiente efervescente do atelier, predominavam as discussões sobre os caminhos da arte contemporânea e a vontade coletiva de elaborar uma estética própria do grupo. 

Em 1948, os chamados “Novos de bagé”, que a essa altura já incluíam Danúbio Gonçalves, realizam sua primeira exposição no salão-auditório do Correio do Povo, em Porto Alegre. O evento foi um grande sucesso de público e crítica, ensejando a rápida acolhida dos jovens bageenses pela mídia do Estado. Com isso, e em apenas dois anos, já se tornavam conhecidos - mais do que isso, respeitados como uma promessa em todo o Rio Grande do Sul.

No ano seguinte, Bianchetti ingressa no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, consolidando assim sua opção profissional. Mas foi apenas em 1950 que realizou sua primeira exposição individual. O mesmo salão abrigou mais de 30 telas a óleo, onde já transpareciam a base de seu estilo e o contínuo esforço de pesquisa pictórica. Aí se dá um reencontro fundamental, com os também gaúchos Carlos Scliar e Vasco Prado, que Bianchetti já conhecera em Bagé. A propósito de clubes de gravura em funcionamento na Europa, surge a ideia, logo concretizada, da fundação do clube de Gravura de Porto Alegre, destinado ao intercâmbio de produção artística e à cooperação entre artistas das principais cidades do País. 

No final do ano, Bianchetti vai ao Rio de Janeiro. Hospeda-se por uma curta temporada na casa do pintor Augusto Rodrigues e realiza estágio na Escolinha de Arte do Brasil. Já interessado em experiências renovadoras no que diz respeito à educação artística, volta ao Rio Grande e, no fim de 1951, quando funda com Glauco e Danúbio o Clube de gravura de Bagé, inclui entre as respectivas atividades o trabalho com crianças, que alcança grande sucesso. 

A essa altura, o trabalho individual de Glenio já explicitava e conciliava as suas duas maiores preocupações: de um lado, a questão da forma como expressão, que intuitivamente incorporara e agora definia na consciente transformação dos objetos; de outro, a procura de uma identidade da arte brasileira, que, segundo ele, deveria estar voltada para os temas de nosso folclore e para os questionamentos das relações sociais e econômicas do País, em estreita proximidade com o universo popular. A respeito do trabalho de Vasco Prado, Glenio declara ao Correio do Sul que admirava a forma como ele não se afastava das tradições locais; mesmo "estudando sempre, nunca q se separou de uma forma acessível às grandes massas. A vida do povo, surpreendentemente rica, viva, fundamental, deve ser a grande inspiração dos artistas realmente novos".

Essa entrevista, realizada em 1951, reunia o depoimento de todos os participantes daquela que denominavam a Escola de Bagé, e constituía quase um manifesto, pelo qual os artistas tomavam posição em relação a vários aspectos da arte no mundo e no Brasil. Na ocasião, declaram-se avessos ao formalismo excessivo, artificialmente intelectualizado, que termina por conferir ao quadro uma função meramente decorativa, nos salões ou galerias. 

Pretendem, ao contrário, produzir uma arte educativa, participativa, realmente emanada do convívio com o povo, seus temas, raízes e tradições. 

Nesse contexto, os jovens artistas gaúchos marcaram sua entra- da na cena nacional. Reafirmando a necessidade de um engajamento da arte, que exigiam de acordo com as circunstâncias do momento, firmaram importante papel na discussão acerca da arte brasileira, o que veio a determinar mais tarde, e de modo bastante claro, o per- curso de Bianchetti em sua carreira individual. 

Para ele, aliás, 1951 abria uma nova etapa; marcava o advento do primeiro convite para uma bienal internacional, em Genova, na Itália, e as primeiras premiações. Porém, 1952 foi ainda mais promissor: não apenas participava das intensas atividades do Clube de Gravura de Porto Alegre, como se casava com a artista plástica também gaúcha, Ailema de Bem. Com o Clube, alcançaria muito em breve projeção internacional; com Ailema, dava início à construção daquele que seria seu mais importante projeto: a numerosa família, tão presente e fundamental em sua vida quanto as tintas e os pincéis. 

Em 1953, Bianchetti expandia suas possibilidades como pintor e gravador. Para a loja Aerovias do Brasil, em Porto Alegre, realiza painel em xilogravura, cuja matriz, em linóleo grosso, é a maior do gênero de que se tem notícia. Para a decoração do cinema Ritz, também na capital, pinta um grande painel a óleo; ganha, ainda, concurso para realização de painel no restaurante do SESC, a que dará início só no ano seguinte. Por meio dos painéis, Bianchetti reafirma a possibilidade de enriquecer artisticamente os monumentos e edifícios da cidade, de forma a favorecer o contato da população com as obras de arte. 

Quanto ao Clube de Gravura de Bagé, já se incorporara ao Clube de Porto Alegre, em razão da mudança de todos para a capital. A fusão revelou-se extremamente positiva. Em apenas quatro anos de existência, o Clube já abrigava um considerável número de importantes artistas e conseguia, pelo seu prestígio, realmente impulsionar e difundir a arte da gravura, estimulando os principiantes com aulas e prêmios. Em 1952, o álbum de gravuras produzido pelos integrantes do Clube ganha em Paris o Prêmio Picasso da Paz; em 1954, realizam uma grande exposição na Galeria Casa das Molduras, em Porto Alegre, com a participação dos Clubes de Gravura de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Recife. No catálogo, tem o prazer de se fazer apresentar por artistas do porte do mexicano Diego Rivera, que, a propósito dos gaúchos e sua arte, escreveu: "Vi as gravuras do Clube de Gravuras de Porto Alegre e do Clube de Gravuras de Bagé. Acho que esses gravadores brasileiros, com sua arte excelente, trazem ao movimento do novo realismo progressista uma contribuição de grande humanidade, ternura e emoção profunda, que enriquece todo nosso movimento internacional".

 A questão do regionalismo, de fato, ganha outra expressão na arte dos gaúchos. É que não se trata nem de um provincianismo tacanho, limitado ao próprio e reduzido horizonte, nem de apropriação folclorizada ou ostensiva da vivência do povo do Rio Grande do Sul. A verdade é que, enquanto se debruçam profundamente atentos sobre sua realidade imediata - aí se inspirando em temas, formas e cores -, têm por objetivo ultrapassá-la rumo à essencialidade mesmo da vida humana, praticando uma linguagem ao mesmo tempo particular e universal. É o próprio Bianchetti quem afirma, em entrevista concedida à Revista do Globo: "A influência do meio faz com que o artista se ressinta e ele revela o que vê ao redor. Revelando isso, tem de fazer uma forma universal, para que seja compreendido em qualquer lugar, sob quais- quer condições, e por quem quer que seja. Não é possível existir uma arte estritamente nacional. Ela seria então parcial, dirigida a um grupo limitado. Dessa maneira, simplesmente deixaria de ter suas finalidades, não seria mais arte. É o maior dos absurdos classificar-se arte como municipal, estadual ou federal." 

A aceitação das gravuras gaúchas mundo afora revela em todos os sentidos a propriedade da afirmação. Além da China e do México, o Clube de Gravura de Porto Alegre já realizara, nessa época, exposições em países como o Uruguai, Áustria, Chile, Romênia, Tchecoslováquia, União Soviética, Índia, Polônia e Argentina. 

Em 1955, o Clube promoveu, em outra demonstração de profundo interesse pela participação popular, a histórica exposição de 60 gravuras no Parque Farroupilha, visitada por cerca de duas mil pessoas na capital. Com renome internacional, os integrantes do Clube continuavam engajados na luta pela democratização do acesso às artes no Brasil; assim, submeteram seus trabalhos à apreciação popular, inclusive para efeito de premiação. Convocado a votar, e então escolher os vencedores do concurso, o público do Parque Farroupilha elegeu seus favoritos: 1º e 3º lugares para Bianchetti, Fim de Jornada e Almoço, respectivamente, e 2° para Carlos Scliar, com Clareira.

A propósito do sucesso do Clube e da excelente aceitação da gravura pelo público, Bianchetti comentou na época a facilidade de difusão dos trabalhos e a consequente popularização do artista, a fazê-lo mais conhecido como gravador, em apenas cinco anos de trabalho, do que como pintor, cuja carreira já completava uma década. 

Quanto ao Clube, núcleo de formação e aperfeiçoamento de tantos artistas, realizava de fato um excelente trabalho de intercâmbio entre os países. Em 1958, trabalhos de Bianchetti integravam a participação brasileira na Bienal do México; ali se revela a afinidade com os famosos pintores muralistas, cujo trabalho apresenta significativa aproximação com o do grupo gaúcho.

No ano seguinte, Glenio é convidado a dar um curso de gravura no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, onde dá continuidade à sua nítida vocação de educador. Retoma também nessa época o convívio com crianças, por meio do Teatro de Fantoches de Porto Alegre, que encanta a meninada nas tardes de domingo no Parque da Redenção. Criado por ele e Ailema, no início apenas para entreter os filhos pequenos, expande-se com a adesão de amigos atores, integrantes do teatro Equipe de Porto Alegre, que se reuniam no atelier de Glenio na falta de outro lugar para ensaiar. A rica experiência com todas essas linguagens, além do permanente contato com o universo infantil, foi fundamental na fecunda trajetória do casal no campo da arte-educação.


1960 / 69

 

Em 1960, Bianchetti assume a direção do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, cujo espaço procura abrir e dinamizar.

Com a exposição realizada em 1962, no salão de Belas Artes, despede-se de Porto Alegre para aceitar convite do então reitor Darcy Ribeiro e assumir, como um dos primeiros professores, as cadeiras de Desenho e Pintura na recém-inaugurada Universidade de Brasília. 

Encerrava-se aqui a primeira grande fase de sua carreira. Ao Clube de Gravura devia, além do extraordinário convívio com importantes artistas de sua geração, a 1º experiência com o trabalho coletivo, o amadurecimento de princípios estéticos fundamentais, a consolidação na atividade profissional. Sua carreira como pintor, porém, apresentava agora ritmo próprio; além disso, pretendia empenhar-se, de corpo e alma, no revolucionário projeto da nova universidade, na nova capital. 

A vinda para Brasília, em agosto de 1962, foi determinante para a carreira e a vida de Bianchetti. Muito embora sua permanência na UnB tenha sido curta, em consequência do golpe militar, é certo que tal vivência conferiu a seu trabalho características particulares, até hoje perceptíveis. Era todo um horizonte de criação que ali se cristalizava, envolvendo novos conceitos de arte, educação, obra e sociedade.

Naqueles primeiros anos, a concretização da universidade aconteceu como verdadeira epopeia. Sob um clima de esperança e renovação inédito no País, as primeiras aulas eram ministradas em- baixo das árvores, os tratores preparando a terra vermelha para os futuros edifícios. Desenhando em papéis sempre empoeirados, sob a orientação de professores absolutamente entusiasmados, os alunos se sabiam participantes de um momento histórico, capaz de mudar profundamente o perfil do ensino público superior no Brasil.

 

A pedido de Alcides da Rocha Miranda, Glenio se responsabiliza pela organização do Setor Gráfico do Instituto Central de Artes, que consistiria em um grande atelier de planejamento gráfico, incluindo oficinas de serigrafia, xilogravura, gravura em metal e litografia. A cargo de Klaus Bergner, o atelier deveria funcionar como piloto de uma futura escola de arte gráfica, a ser implantada como nova opção de curso no ICA. 

Simultaneamente, Bianchetti assumia o Atelier de Pintura, com um caráter decididamente artesanal, similar, como ele dizia, a uma grande cozinha. Ali, os alunos tomavam contato com todas as etapas e possibilidades da criação pictórica, desde a confecção de telas até a experiência com todas as técnicas de pintura, das mais comuns às mais sofisticadas. A ideia era apresentar aos alunos a multiplicidade de facetas do universo artístico, do exercício cotidiano à prática criativa e à reflexão crítica e conceitual. Por outro lado, predominava o espírito de coletividade e integração, com especial atenção para a interface entre todos os ramos do conhecimento, no entrelaçamento sempre fecundo entre arte, ciência e filosofia. 

 

Como se sabe, toda essa aventura foi brutalmente interrompi- da a reboque do golpe de 64, que poria fim ao projeto original da Universidade de Brasília. Ao profundo sentimento de frustração que se abateu sobre a comunidade acadêmica, somou-se uma generalizada insegurança. Apresentando-se para prestar depoimento, como vários outros professores intimados, Bianchetti foi preso nas dependências do BGP, mantido incomunicável por 27 dias.

 

 O retorno ao trabalho não chegou a se normalizar. Em 1965, Glenio aderiu ao movimento de demissão coletiva, organizado em solidariedade aos coordenadores de departamento sumariamente demitidos. 

A difícil decisão de deixar a universidade - um projeto pelo qual ele mudara radicalmente a perspectiva de vida - só se viabilizou com o apoio de Ailema. Incentivando-o a seguir com liberdade a própria consciência - "o que você faria se não tivesse mulher e seis filhos pequenos?"-, Ailema assumiu com o marido todos os riscos e dificuldades, em circunstâncias extremamente desfavoráveis. Distante do circuito cultural, em uma cidade recém-inaugurada, sob a mira da repressão, e tendo de viver exclusivamente de sua pintura, Bianchetti fincou raízes em Brasília por um exercício de fé. Nos amplos espaços luminosos, entre as formas de concreto e a paisagem do cerrado, estabeleceu-se com a família no propósito de seguir pintando, mantendo na própria arte os sonhos que o País tivera de abandonar. 

 

Foram tempos de luta e determinação. Havia a questão imediata da sobrevivência - enquanto Ailema trabalhava o dia todo em escolas das redes pública e privada, Glenio, em casa, dava aulas particulares. Ao mesmo tempo, ele definia um novo caminho em sua pintura, trabalhando para aproveitar e incorporar a luz de Brasília. O resultado manifestou-se na abertura da cor, tornada mais pura e mais forte, e na adoção de técnicas novas de superposição e transparências, possibilitadas pela secagem rápida das tintas. Foi assim que terminou deixando o óleo e a têmpera em favor da versatilidade do acrílico. 

 

A primeira exposição individual no Rio de Janeiro, em 1966, na Piccola Galeria, marca seu lançamento no mercado de arte. Sempre lamentando o isolamento dos artistas no Brasil, ao contrário do que experimentara tão intensamente na UnB, Bianchetti assistiu, enfim, na década de 70, ao reconhecimento de seu trabalho em âmbito nacional. Para além do sucesso na profissão, gratificava-se pelo cumprimento do que considerava um dever moral: a busca pela excelência como a contrapartida ao sacrifício e à solidariedade da família, na consolidação de sua carreira. Assim, o acesso aos grandes centros e a confirmação da crítica representavam uma conquista existencial asseguravam o êxito de um grande esforço em várias frentes, por ele denominado, muito significativamente, "minha contra-revolução". 

 

É assim que seu trabalho vai-se estabelecendo com feição própria, com a tendência ao figurativo e a predominância do gesto expressionista. Sempre interessado na coerência do tratamento da forma, bem como em seu investimento na cor, Bianchetti evoluiu um tanto à margem dos movimentos ditos de vanguarda, assegurando um percurso extremamente pessoal. Apesar de se considerar inserido na tradição brasileira de 22, e de continuar convicto da importância de se democratizar a produção e o consumo de arte, questiona publicamente o rótulo de pintor expressionista ou de artista socialmente engajado, preferindo assumir que a época é de muitas perguntas e poucas respostas, o que faz da dura década de 70 um período rico em pesquisa e observação.
 

1970 / 79

 

Conseguindo viver da pintura em uma cidade ainda incipiente, Bianchetti pôde intensificar sua produção. De 71 a 79, realiza várias exposições individuais, em Brasília, Goiânia, Bagé, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 73, participa do Salão de Maio, em Paris, e inaugura com mostra individual a galeria Oscar Seraphico, em Brasília. Também, individualmente, expõe na Embaixada do Brasil, em Roma, em 1977. Em 1978, realiza o grande painel encomendado pela Comissão de Financiamento da Produção (CFP), composto de três partes de 4 metros de comprimento por 2,5 metros de largura cada uma. No mesmo ano, tem um trabalho seu oferecido pelo então presidente Ernesto Geisel ao presidente da França, Valéry Giscard d'Estaing, que visitava o Brasil.

Em 1975, tem início um projeto de extrema importância para suas ambições como professor. Juntamente com uma equipe de arte-educadoras, Ailema funda o Centro de Realização Criadora - o Cresça -, oferecendo a Brasília um espaço inédito de ensino e produção de arte para adultos e crianças. Integrando o grupo de professores, Bianchetti procurou estimular tanto a criatividade quanto o desenvolvimento da técnica de pintura, mas buscou, sobretudo, de acordo com a proposta do Cresça, favorecer o encontro para discussão e questionamentos sobre arte.

A década de 80 concentrou, para Glenio, alguns fatos especiais. É interessante observar que, já usufruindo de seu reconhecimento nacional como pintor, voltou a se dedicar intensamente à gravura, em suas diversas modalidades. Nesse período, marcado pela sequência de muitas exposições, avulta a produção de serigrafias e litogravuras, bem como a realização de retrospectivas em várias cidades do Brasil.


1980 / 89

 

Destacam-se, à época, entre tantos outros eventos, o lançamento em 1980 do primeiro álbum de serigrafias, executado no Cresça, de forma totalmente artesanal; a produção de 1985 no atelier Ymago (de litogravuras, em São Paulo, de serigrafias, no Rio Grande do Sul); a exposição de litografias inéditas no Museu da Gravura Brasileira, em Bagé, 1986, e na

 

Embaixada do Brasil no Uruguai, em 1987. O período mostrou-se, ainda, extrema- mente rico em mostras de pintura, coletivas e individuais. Acompanhando a grande expectativa política do momento, Bianchetti participou ativamente da campanha pelas eleições diretas em 1984, quando finalmente se concretizava o fim da ditadura no Brasil. Estabelecido na cidade como um centro de referência cultural, o Cresça tornou-se um importante foco de participação, mobilizando artistas, estudantes e manifestantes na luta pela consolidação da democracia nacional. Em 1985, participa da criação da associação de artistas plásticos de Brasília, destinada a estimular o convívio e o intercâmbio de ideias, em âmbito local. Em 1986, no movimento "Artistas Pintam a Política", elabora cartaz em favor da realização da Assembleia Nacional Constituinte.

 

Em 1988, na sequência das primeiras eleições para reitor na UnB, Bianchetti é reintegrado à Universidade, juntamente com mais 58 professores afastados pelo golpe militar. Vinte e três anos depois, a instituição conseguia reconciliar-se com sua história, trazendo de volta aos quadros personagens fundamentais em termos de origem e concepção. Embora tenha permanecido em atividade por apenas dois anos, fez questão de assinalar o significado desse retorno e de se envolver o mais proximamente possível com seus alunos, agora nos cursos de desenho. Em todo esse período, em função das muitas exposições, concedeu inúmeras entrevistas. Nelas, continuou explicitando suas principais preocupações como artista: a elaboração de uma tradição verdadeiramente brasileira em artes plásticas, sem perder de vista o contexto latino-americano; sua predileção pela gravura em detrimento da peça única, não acessível ao grande público; o profundo envolvimento com as questões políticas e sociais do País, que gostaria de ver amplamente debatidas, no âmbito de um intenso intercâmbio entre os artistas locais.
 

1990 / 99

 

Sob os efeitos das medidas econômicas do recém-empossado governo Collor, a década de 90 iniciou-se para os Bianchetti com o definitivo encerramento das atividades do Cresça. Sempre avessa à lógica mercantilista, que transforma a educação em mercadoria lucrativa, a precária estrutura financeira da escola não resistiu ao confisco. O sonho de manter um espaço cultural livre e pluralista terminava ali, mas deixava raízes em toda uma geração de jovens artistas, que hoje compõem, com brilho e originalidade, o cenário das artes visuais em Brasília. 

Em 1992, executa painel nos pilotis do edifício residencial que leva seu nome, em Brasília. Realiza três exposições individuais na cidade, de 93 a 95, bem como em Goiânia, em 1996. As várias coletivas incluem a I Bienal do Mercosul, em Montevidéu, 1994, e o projeto "Resgatando a Memória - Grupo de Bage", em 1996, na Caixa Econômica de Porto Alegre, acompanhado de mostra atualizada dos quatro artistas na Galeria Mosaico, também na capital gaúcha.

Também em 1992, Bianchetti começa a pintar em grandes formatos. O processo, que se inicia nas longas temporadas do artista em Nova Viçosa, onde mantém um atelier à beira-mar, resultou da coincidência entre o desejo de expandir as superfícies e o prosaico extravio do material de trabalho que fora enviado, aquele ano, de Brasília. Sem alternativa, em uma pequena cidade sem recursos, resolveu experimentar o equipamento próprio de um pintor de paredes: massa, espátula, rolo de espuma, tinta comum. O resultado foi tão interessante que terminou por definir a opção pelos grandes formatos como uma das conquistas de sua carreira.

É assim que, ao longo dos anos, a pintura em superfícies que chegam a 2,20 metros por 1,60 incorpora-se definitivamente a seu repertório. Mesmo as tradicionais exposições de fim de ano em seu atelier, que até então privilegiavam os chamados mini-quadros, passam a incluir as telas gigantes, onde as transparências e superposições ganham especial visibilidade. O trabalho de cor atinge seu auge em termos de abertura e intensidade. 

Os anos 90, para Glenio, foram pródigos em prêmios e condecorações, marcando o reconhecimento da cidade ao artista pioneiro. Mas, sem dúvida, o principal evento foi a grande retrospectiva de 1999 no Palácio do Itamaraty, em Brasília, comemorativa dos 50 anos de carreira. A exposição, sob a curado- ria de Gisela Magalhães, reuniu em uma bela montagem as várias fases de seu trabalho como pintor e gravador, explorando especialmente os efeitos de cor. O resultado, que encantou o público brasiliense, foi a transformação do imenso vão livre do Palácio em uma praça de cores, onde as figuras, as paisagens e as naturezas-mortas pareciam interagir, sem amarras cronológicas ou temáticas, a disciplinarem a exposição.

 

2000

 

O novo milênio começa também com bons momentos. No ano 2000, houve várias coletivas em Brasília e uma mostra individual no espaço cultural da Câmara dos Deputados. Em 2001, o Grupo de Bagé encontrou-se para festejar os 190 anos do município e planejar o | Encontro Nacional de Artes Plásticas. Ali lançou-se, ainda, a ideia de criar a Fundação Grupo de Bagé, com o intuito de preservar o patrimônio artístico do Clube de Gravura e a memória das carreiras dos protagonistas.

Em meio a várias coletivas realizadas entre 2001 e 2002, destacaram-se a que apresentou a trajetória da gravura no Brasil, em Florianópolis, Santa Catarina, e a mostra de 34 artistas considerados fundamentais na história das artes na capital.

Glenio Bianchetti tem hoje 75 anos. Traduz no olhar sereno a paz de quem viveu em coerência uma longa trajetória. Recluso por temperamento, discreto por convicção, jamais se arrependeu de ter permanecido à margem dos grandes centros culturais. Na cidade eleita, sempre de mãos dadas com Ailema, empreendeu com independência seu projeto de vida, centrado no desenvolvimento de sua própria concepção artística e no convívio familiar. Admite-se gratificado por ser hoje um mestre do ofício, isto é, um artista profissional que se dedicou aplicadamente a dominar as técnicas de pintura e gravura, a serviço de sua particular emoção de criar e se expressar. 

Realizado com a presença constante dos filhos e netos, mantém o trabalho cotidiano com

tranquilidade e alegria, em seu atelier cercado de verde, na área de mansões do Lago Norte.

 

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Texto originalmente publicado no catálogo da exposição Glenio Bianchetti, na Caixa Cultural de Brasília, em 2002.

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